Na passada Sexta-feira, dia 21 de Janeiro, iniciaram-se, na freguesia de São Vicente (site da Junta de Freguesia), em Braga, as celebrações em honra do padroeiro da freguesia, que dá nome à mesma.
A tradicional romaria em honra de São Vicente contém, em si, tradições que se podem agrupar conforme segue:
- Fogueira de São Vicente (dia 21 de Janeiro, pelas 21h30m);
- Romaria dos Meninos (dia 22 de Janeiro e, este ano de 2011, dia 23 também, aproveitando ser Domingo);
- Leitura do futuro do ano agrícola;
- Moletinhos de São Vicente e os Rebuçados do Senhor.
Das celebrações, destacamos categoricamente a seguinte: antecedendo o dia 22 de Janeiro (dia dedicado a São Vicente pela Igreja Católica), na noite do referido dia anterior, no adro da magnífica Igreja de São Vicente, realiza-se uma grande e pujante fogueira, que atrai centenas de Bracarenses e forasteiros para o evento.
Importa, portanto, explicar em que contexto surge a realização desta romaria e, sobretudo, compreender as tradições a ela associadas. Para tal, abaixo, estruturamos o texto de forma a guiar o leitor no sentido de descobrir mais esta riqueza cultural Bracarense...
... E esperando despertar a vontade de viver esta tradição ao vivo, independentemente de crenças religiosas, pois se, por um lado, a nossa cultura tem forte influência religiosa, a verdade é que as celebrações dessa natureza acabam sempre por revelar uma riqueza cultural muito para além das crenças! Por exemplo, no Minho, qualquer celebração é um óptimo pretexto para se conviver, bebericando vinho verde, provando doçaria típica, cantando e tocando músicas tradicionais e, sobretudo, para se estar com quem se gosta e com quem preza a boa disposição.
INTRODUÇÃO HISTÓRICA E SIMBÓLICA
São Vicente: história do martírio
Vicente, que nasceu na cidade de Orca, que possivelmente se situaria nas imediações de onde hoje é Saragoça (cidade que, à época, fazia parte do Império Romano, como o resto da Península Ibérica), também conhecido como São Vicente de Fora, viveu numa época prévia à cristianização do Império Romano. Sob a égide do imperador Diocleciano, verificaram-se intensas e violentas perseguições a cristãos (Perseguição de Diocleciano ou Grande Perseguição). Desta onda persecutória não escapou, no início do século IV (alegadamente no ano 304), Vicente que, em sequência da perseguição movida pelo delegado imperial Daciano, e tendo recusado oferecer sacrifícios aos deuses (romanos), sofreu o martírio, na cidade que actualmente é Valência, de uma forma especialmente cruel e torturante: queimado na grelha.
É, pois, a fim de evocar o sofrimento de São Vicente ao ser martirizado na grelha que, na freguesia de São Vicente, na noite do dia 21 de Janeiro, se realiza uma enorme fogueira.
Representação de São Vicente e Lenda dos Corvos
Em Portugal, São Vicente é representado ora com uma palma e um evangelinário, conforme a fotografia na wikipedia, ora doutra forma, que pensamos ser muito mais comum: com uma barca e um corvo.
Esta representação resulta de uma lenda a ele associada: São Vicente estava sepultado no Promontorium Sacrum, hoje Cabo de São Vicente ("Ponta de Sagres") e D.Afonso Henriques, em 1173, ordenou que as suas relíquias fossem transportadas para Lisboa, de barco; ora, consta-se que dois corvos velaram o corpo do santo ao longo da viagem, razão pela qual é representado da forma acima descrita e facto a que aludem os símbolos heráldicos da freguesia Bracarense de São Vicente, da cidade de Lisboa e de outras localidades.
AS TRADIÇÕES DAS SOLENIDADES EM HONRA DE SÃO VICENTE
Fogueira de São Vicente (dia 21 de Janeiro, véspera do dia de São Vicente)
- Segundo Luís Costa: "Quatro ou cinco dias antes da Solenidade do Mártir São Vicente, que tem lugar no dia 22 de Janeiro, o rapazio das redondezas principia a correr as ruas do burgo, lançando o pregão «LENHA, LENHA, LENHA PARA SÃO VICENTE», e vai recolhendo aos poucos a lenha que os fregueses e devotos do Santo Mártir oferecem para a fogueira que, na noite que antecede o dia festivo, tem lugar no adro, em frente da porta principal.(...) Por volta da meia noite é lançado fogo à enorme pilha que o rapazio reuniu, num clara alusão ao martírio de São Vicente que, dizem, foi queimado vivo. Foguetes sobem ao ar num estalejar ensurdecedor. A festa anima. (...) Cesto com velas de cera, abundam por aquele terreiro, para que os devotos, comprando-as, oferecem ao Santo Milagroso cumprindo as suas promessas".
- Actualmente:
- já não serão os jovens da freguesia a recolher a lenha, mas talvez, supomos, os serviços de jardinagem da Câmara Municipal de Braga (provavelmente, aproveitando restos de podas);
- a fogueira é acendida pelas 21h30m;
- as velas para pagamento de promessas ao santo já não são vendidas no adro da Igreja nem no terreiro adjacente (onde é ateado o fogo), mas na entrada do templo.
Romaria dos Meninos
- Ao longo do dia 22 de Janeiro - dia de São Vicente (ainda que, este ano, também tenha acontecido no dia 23, dado ser Domingo), verifica-se a romagem das crianças à Igreja, para colocarem uma vela junto à imagem de São Vicente, pedindo protecção contra a varíola.
- Segundo Luís Costa: "Durante os dois dias de festa as gentes da cidade ocorrem ao templo, com as suas crianças, numa romaria compacta, tão concorrida que por vezes é quase impossível entrar na igreja. A causa desta afluência está na crença de que São Vicente é o Santo que protege a crianças, livrando-as da terrível doenças das bexigas (varíola). Pode afirmar-se que não haja ninguém em Braga, que, pelo menos uma vez na sua vida, não tivesse feito a romagem ao templo do Mártir e não se tivesse ajoelhado perante o altar onde se venera tão grande Santo e não tenha acendido uma vela votiva, pois está arreigada, profundamente, nas gentes Bracarenses."
Leitura do futuro do ano agrícola
- Segundo Luís Costa: "Tradição hoje perdida e que só alguns velhos lavradores se lembrarão, era a de que à meia noite – na noite da fogueira - se ler o futuro do ano agrícola. Hoje já ninguém procede a esse ritual. Ao soar a primeira badalada da meia noite reuniam-se, no adro da igreja, os lavradores das redondezas. Um deles, possivelmente o mais velho e mais sabido na interpretação da leitura, acendia uma vela benta, isto é, devidamente benzida. Conforme a inclinação da chama, para Norte, Sul, Nascente ou Poente, se se avivasse ou morresse, o “ledor”, anunciava como se comportaria o próximo ano agrícola se seria bom para o milhão, para a vinha, para o azeite enfim, para a agricultura em geral ou, pelo contrário se avizinhava um mau ano. Hoje acreditaria alguém nisso? No entanto era um ritual que se cumpria e que por certo terminaria depois pelo pedido da intercessão do Santo para o bom ano, em alguma taberna que seria o modo de pagamento ao adivinho."
- No nosso entender, seria extremamente interessante que renascesse este ritual, mesmo que numa óptica de representação (que deveria ser devidamente preparada e posta em acção), pois acrescentaria às Solenidades de São Vicente um tónico especial, um acréscimo de interesse e potencial de atracção, dado que evocar-se-ia um ritual antigo que não tem porque cair no esquecimento, pois toda a gente, e cada vez mais, é ávida de aprender e de assistir a singularidades destas!
Moletinhos de São Vicente e Rebuçados do Senhor
- Segundo Luís Costa, a propósito dos Moletinhos: "No dia da festa é costume obrigatório – sem este costume não haveria festa – comprar os MOLETINHOS DE SÃO VICENTE, um saboroso bolo de pão levedo que tem tradição. De onde veio ela? Nada de concrecto se pode afirmar. Possivelmente terá nascido na velha «usança» da Doçaria Bracarense (...) Há quem afirme, no entanto que os “moletinhos”, não têm a atestá-los antiguidade. Dizem ter nascido da mão de uma doceira bracarense que, no século XIX ou princípios do século XX, lançou a ideia de os produzir. Também dizem que, como em todos as romarias minhotas o doce sempre aparecia e aparece – estamos a lembrar-nos dos doces brancos, recobertos de açúcar – porque não criar um especial para a Romaria dos Meninos? E por que não aproveitar a forma da grelha do martírio de São Vicente? E assim, uma Bracarense, boa cozinheira e melhor doceira, com ovos, fermento, farinha, açúcar e outros ingredientes necessários, inventou um delicioso bolo que agora faz parte integrante e indispensável na romaria de São Vicente."
Banca de venda de Moletinhos (fotografia do Correio do Minho, de 23/Jan/2011) |
- Segundo Luís Costa, a propósito dos Rebuçados do Senhor: "Os tabuleiros com rebuçados artesanais – os rebuçados do Senhor – embrulhados em papeis de cores vistosas, feitos de açúcar em ponto lançado sobre uma chapa de ferro, previamente aquecida ao rubro, chamam a atenção da catraiada."
Bibliografia
- Jornal Correio do Minho (edição de 23/Jan/2011);
- Jornal Diário do Minho (edição de 21/Jan/2011);
- http://luisdiascosta.blogs.sapo.pt (consultado em 23/Jan/2011):
- Wikipedia.
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